A Floresta de Edward Rutherford

Encontrei este livro por acaso em uma biblioteca, o nome me chamou a atenção, e uma vez que tudo indicava ser um romance histórico, iniciei a leitura. É imperativo dizer que não me arrependi.
O livro é composto por nove contos, todos interligados, uma sequência histórica de mil anos que se passa em New Forest, Inglaterra. Não espere ler algo semelhante à outros romancistas históricos, que tendem a se concentrar em eventos de grande magnitude, como a guerra, o estilo de Rutherford se mostra bem mais casual e cotidiano. Porém, não se permita subestimar "A Floresta" por isso, trata-se de um dos mais agradáveis livros que já li. Nele a ficção se mistura com o real e a beleza das narrativas e principalmente a pulsante descrição dos cenários faz com que se vivencie uma total imersão na cultura de New Forest.
Analisemos porém os contos detidamente.

A Caçada

Na verdade o primeiro conto do livro é entitulado "A pedra de Rufus". Entretanto, uma vez que se trata mais de uma historieta introdutória, que tem seu desenlace apenas no último conto "A Floresta", hei de analisá-lo ao final.
A Caçada se inicia no ano de 1099. Guilherme, o normando que havia conquistado a Bretanha estava morto e Rufus governava. O governo de Rufus era frágil e já houvera atentados contra sua vida, seus irmãos ambicionavam seu trono e ele ambicionava conquistar a Normandia. Entretanto este é apenas o plano de fundo. A história em si gira em torno de Adela Martel, personagem fictícia, que seria irmã de Walter Martel. Adela é normanda e foi enviada a bretanha com o intuito de que seu irmão Walter, um homem com várias conexões, lhe consiga um casamento. Uma tarefa difícil uma vez que Adela não possui dote.
Mas esse não é o ponto forte da história. O chamativo neste conto é a própria floresta, nessa época era reserva de caça do rei, tal qual fora durante o domínio saxônico. Em paralelo à história de Adela, Rutherford tece a curta história da gama clara, descrevendo os hábitos desses magníficos animais com riquíssima descrição e detalhe. E, claro, a caçada em que participarão Adela e Walter, onde uma centena de animais será morta e o destino da gama e de Adela se entrelaça.
A história pode parecer lenta a princípio, mas possui um desenlace inesperado.

Beaulieu

O conto seguinte se inicia no ano de 1294. Muitos dos personagens descendem de personagens do conto anterior, e será assim ao longo de todo o livro. A história se passa no mosteiro cisterciense de Beaulieu, e o personagem central é o irmão Adam, favorito do abade, e ao que tudo indica, o futuro abade.
Três fatos centrais marcam o conto. Um dos monges, Luke, durante uma discussão nas granjas atinge acidentalmente seu supervisor, o irmão Mathew, com uma pá. Após o incidente Luke foge temendo a punição O prior alerta a corte da Floresta, e informa que o mosteiro exige a captura e condenação de Luke.
A disputa pelo pônei é o segundo evento. Pride encontrou um pônei na floresta, e pela lei da Inglaterra este passa a lhe pertencer, o problema é que Furzey afirma que o pônei lhe pertencia e que Pride o teria furtado. Para piorar a disputa, a esposa de Furzey é irmã de Pride e parente de Luke, a quem oferece abrigo em segredo quando este foge do mosteiro. E o terceiro evento, o irmão Adam se apaixona pela esposa de Furzey.
Não é o melhor dos contos, mas tem um belo final. Não é um final feliz, e também não é um final triste. Apenas um belo final.

Lymington

O conto de 1480 toma como plano de fundo as diferenças de classes sociais na Inglaterra do séc. XV. Jonathan Totton é filho de comerciante burguês que vive na cidade de Lymington na costa da floresta. O sr. Totton têm uma constante preocupação em mente. O filho, além de não se interessar pela profissão que deverá seguir no futuro, tem andado com o filho de um dos pescadores locais, Alan Seagull, homem de baixa classe social.
Em uma noite na taverna Henri Totton e Sr. Burrard fazem uma aposta. Uma corrida entre um navio de Totton e o barco de Seagull. Apostas eram comuns em Lymington, o incomum era o valor da aposta 5 libras, uma pequena fortuna.
Esse conto é um dos melhores em minha opinião. A trama é muito bem elaborada, é como se você acompanhasse o jovem Totton em seus passeios pelo cais, ou na caçada ao dragão de Bristerne (a lenda do dragão era real, no conto Rutherford explica sua origem) e o final é o que mais surpreende dentre os contos.

A Árvore da Armada

O ano é 1587. Elizabeth estava no trono da Inglaterra. Após 5 anos do reinado de Maria Tudor, a rainha católica que ficou conhecida como 'Blood Mary', o povo dera boas vindas à filha de Ana Boleno. Mas nem todos. A ascensão da nova rainha era um duro golpe no movimento católico inglês, o Papa a amaldiçoara e dera sua bênção a qualquer Estado interessado em atacar a Inglaterra. Apostava-se que esse Estado seria a Espanha. Sendo uma das maiores potências da Europa e com uma armada apelidada de a “Invencível”, não se acreditava que a Grande Ilha fosse capaz de vencer uma guerra após os vários confrontos internos de origem principalmente religiosa que enfrentou.
A mãe de Clement Albion certamente torcia pela Espanha. Ela se encontrava de luto desde a morte de Maria Tudor. A Sra. Albion não gostava de Elizabeth e sonhava em ver o catolicismo de volta à Inglaterra; ademais, para desespero de seu filho, não se preocupava em esconder suas opiniões.
Com a invasão espanhola iminente as coisas se tornavam ainda mais complexas, Clement suspeitava que estava sob vigília, inclusive por parte de seu amigo, o capitão de Hurst Castle, Thomas Georges.
Como se isto não bastasse, a Sra. Albion fez ao filho o favor de garantir aos espanhóis que ele, como comandante da milícia em Lymington se aliaria aos mesmos quando a invasão começasse, garantindo-lhes um desembarque seguro. Aquela simples declaração, Clement sabia, era o suficiente para que perdesse a vida.
Paralelamente Nicholas Pride é agora membro da milicia. Sua responsabilidade é guardar o farol e acendê-lo caso os espanhóis desembarquem, está orgulhoso de sí, ainda mais agora que pretende pedir a jovem Jane em casamento.
Essa historia é mais rápida e linear que as outras. Embora tenha algumas reviravoltas não conseguiu me surpreender, e o final não me apeteceu. A parte realmente histórica mostra-se bem mais interessante do que a ficção criada por Rutherford, embora algumas descrições e trechos sejam dignos de nota. Como a descrição dos grandes carvalhos.

Alice

Belíssimo conto. Grande parte dele foi baseado em fatos reais, Alice Lisle, principal personagem da história, realmente existiu, assim como a trama que a circunda. O autor coloca Alice como sendo descendente dos Albion, tendo se casado mais tarde com John Lisle.
O conto se passa durante e após a revolução gloriosa de Cromwell. John Lisle torna-se grande aliado de Cromwell, e indiferente aos apelos da esposa toma participação direta na revolução. Ele teria inclusive redigido a acusação final, com base na qual o rei Carlos Stuart teria sido executado (embora o autor venha a desmentir esse fato em seu prefácio).
Nessa mesma época o Coronel John Penrudock é acusado de alta traição por tramar o retorno da monarquia e a queda da república de Cromwell. Os Penrudock pedem ajuda aos Lisle, que seriam próximos a Cromwell, porém eles nada conseguem.
Com a morte de Cromwell os monarquistas retomam as rédeas da Inglaterra, e Carlos II assume o trono, os Lisle, assim, se tornam os traidores. John foge da grande ilha para não mais voltar, enquanto Alice vê grande parte de suas terras serem tomadas pelo novo governo. Mais tarde, próximo ao fim Alice enfrentará um triste julgamento, o absurdo da decisão do juiz e os métodos da corte estão registrados, e servem de exemplo sobre como a lei pode ser distorcida em épocas de grande tensão.
Creio que é o bastante sobre este conto, é certamente o mais triste dentre eles, e o mais acurado historicamente.

Albion Park
A história agora chega em 1784. A Sra. Grockleton sonha em se entrosar na alta sociedade, e para isso cria um colégio para moças, onde essas aprenderão francês e boas maneiras. O Sr. Grockleton por outro lado não se interessava por isso, e certamente não nutria as esperanças da Sra. Grockleton. Ele trabalhava como agente aduaneiro, sua função era fiscalizar o transporte e a comercialização de produtos, em especial o chá. O fato é que os mercadores faziam uso dos mares mas não estavam dispostos a pagar as altas taxas cobradas pelo governo.
Grockleton não era muito bem sucedido em sua função, mas ninguém com cargo semelhante o era. O contrabando de chá Brandy contava com apoio da população, dos mercadores, políticos, nobres, clérigos... em suma toda a sociedade o aceitava. Embora fosse claramente ilegal, os ingleses dificilmente consideravam o contrabando imoral. Mas Grockleton não discutia isso, era seu trabalho cessar o comércio ilegal e era isso que tencionava fazer. Ele planeja capturar um dos comboios dos contrabandistas e para isso tem um plano que não pode falhar.
Vivia em New Forest nessa época Fanny Albion. Fanny era descendente de Alice do conto anterior, e morava seu pai, já bem idoso, e com sua tia na antiga propriedade de Albion Park. Fanny é uma bela garota já em idade para se casar. Ela é bem próxima de Willian Gilpin, um velho sacerdote e professor que criou uma pequena escola nas redondezas. Em uma viajem com Gilpin à Oxford, para conhecer a universidade, Fanny conhecera o homem por quem irá se apaixonar.
Esse romance se tornará o andamento principal da história, embora não se possa, em hipótese alguma menosprezar os outros pontos do conto. Nele se verão diversas reviravoltas e alguns eventos inesperados, sendo que o próprio passado da família Albion virá para atormentar Fanny.
Rutherford trabalha o suspense nessa história de uma maneira interessante, ele nos deixa intrigados, principalmente com o plano de Grockleton e o destino de Fanny.

Pride da Floresta

O ano é 1868. O governo Inglês começa a entender o valor da Floresta, ou melhor dizendo, de suas árvores. O parlamento determinara o extermínio dos gamos e iniciou um plano para aproveitar melhor as terras de New Forest, plantando o maior número de árvores possível nas áreas férteis. Essas medidas, porém ameaçam seriamente o estilo de vida dos habitantes da floresta e aí entra em cena o coronel Godwin Albion. O conto inicia com a viagem de Albion à Londres, no intuito de convencer o Parlamento dos danos que causarão as últimas medidas tomadas pelo responsável pela região da floresta, o Sr. Cumberbatch.
Para ajudá-lo a convencer o parlamento o Coronel Albion se fará acompanhar por um de seus arrendatários, o Sr. Pride. Pride (orgulho em inglês) é um típico habitante da floresta, ele se mostra fiel à causa de seus conterrâneos, a despeito do fato de seu filho trabalhar para Cumberbatch. Os dois mal se falam desde que George conseguiu esse emprego, e tudo tende a piorar, já que a intervenção de Pride, pode custar o emprego do garoto.
Mais uma vez o autor realça a beleza dessa região da Inglaterra, e nesta passagem específica em como ela quase se perdeu pela voracidade econômica do governo.

A Pedra de Rufus e A Floresta

Como eu disse o conto inicial se intitula 'A pedra de Rufus' e sua história finaliza na última parte 'A Floresta'. A primeira parte, é preciso que eu diga, quase me convenceu a não ler o livro. Passa-se no ano 2000, Dottie Pride viaja à New Forest em busca de uma reportagem para seu chefe John Grockleton. Nada promete a primeira parte. Na segunda entretanto, um belo fechamento. É rápido, não há tramas desenvolvidas e os personagens não são muito trabalhados, mas nos dá uma bela visão da New Forest contemporânea. Como eu disse, apenas uma leve introdução e conclusão do livro, mas que com o todo se harmonizam de tal forma que tornam o livro completo.
A Floresta é certamente uma magnífica obra, que merece lugar de destaque.

2 comentários:

  1. Quero ler! Principalmente o conto de Alice.

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  2. Comprei este livro também por acaso (estava em promoção). Comecei a lê-lo e estou adorando. Um romance histórico bem diferente.

    Ótima resenha.

    http://ricardobernardo.blogspot.com.br/

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